O vinho é parte indissociável da gastronomia minhota. Não só como bebida, mas também como ingrediente e tempero de muitos pratos. Algo a que não é alheio o facto de aqui se produzir um excelente vinho, exclusivo do noroeste de Portugal: o Vinho Verde. A Região Demarcada dos Vinhos Verdes foi estabelecida em 1908, no entanto, a presença da cultura vinícola nesta área geográfica começou algures no século I a. C., o que lhe conferiu uma história longa e sumarenta.
Como o Fidalguinho gosta de sublinhar, o Vinho Verde não é um tipo de vinho, mas sim a designação que se dá aos vinhos produzidos na Região Demarcada dos Vinhos Verdes, em que se utilizam apenas castas autóctones da região e que apresentam aromas e sabores que os tornam únicos em Portugal e lá fora.
Mas não se pense que os Vinhos Verdes são todos iguais. A região demarcada não é homogénea em termos de solo ou de exposição ao clima, por exemplo, estando dividida em nove sub-regiões: Amarante, Ave, Baião, Basto, Cávado, Lima, Monção/Melgaço, Paiva e Sousa.
Enquanto distrito, Braga está presente em três destas sub-regiões: na sub-região do Ave, com Guimarães, Vieira do Minho, Vila Nova de Famalicão, Póvoa de Lanhoso e Vizela. Na Sub-região de Basto, com Cabeceiras de Basto e Celorico de Basto, e na sub-região do Cávado, constituída por seis municípios — Amares, Barcelos, Braga, Esposende, Terras de Bouro e Vila Verde.
O resultado da dimensão e da fertilidade desta vasta região é um conjunto diversificado de estilos e perfis de Vinhos Verdes: dos leves e frescos aos complexos e estruturados. E se a casta Alvarinho é, sem dúvida, a mais reconhecida, há muitas outras que dão fama aos Vinhos Verdes.
BRANCAS
TINTAS
Em termos de temperatura do vinho, para obteres a melhor experiência de degustação, serve o Vinho Verde Branco entre os 8 °C e os 12 °C, o Vinho Verde Rosado entre os 10 °C e os 12 °C, o Vinho Verde Tinto entre os 12°C e os 15 °C, e os espumantes de Vinho Verde entre os 6 °C e os 8 °C. Para mantê-los a estas alturas ao longo da refeição, podes usar um balde ou frappé com gelo e água, por exemplo.
A enogastronomia é o campo do conhecimento que cruza vinhos e alimentos, na busca do equilíbrio perfeito entre estes dois prazeres. Para que possas tornar a tua experiência ainda ainda mais inesquecível, deixamos-te algumas sugestões de acompanhamento para cada perfil e estilo de Vinho Verde!
Para um Vinho Verde branco, leve e fresco: tostas com salmão fumado, salada leve de camarão, peito de frango grelhado.
Para um Vinho Verde branco, mais vigoroso e encorpado: polvo grelhado, pratos de caril, risotto de cogumelos.
Para um Vinho Verde branco complexo e estruturado: queijos curados, porco assado, bacalhau à Braga
Para um Vinho Verde rosé: pizza, marisco, salmão grelhado.
BACALHAU À BRAGA
Este é o nome mais comum da receita que nasceu como ‘Bacalhau à Narcisa’ e que hoje é o prato principal mais associado à cidade de Braga. Nasceu no restaurante Narcisa, fundado no centro de Braga em 1930, mas, entretanto, encerrado. Atualmente, podem encontrar-se variações e reinterpretações, mas na sua essência estarão sempre as postas de bacalhau fritas, a generosa e suculenta cebolada tingida de colorau e as batatas fritas às rodelas. Gostavas de cozinhar este prato? Tens a receita no final do guia!
LAMPREIA
De fevereiro a abril, os rios da região, como o Cávado e o Minho, fornecem um peixe amado por muitos e rejeitado por tantos outros, devido ao seu aspeto pouco amigável: a lampreia, com que se preparam pratos singulares como o Arroz de Lampreia (que à semelhança do arroz de cabidela é feito com o sangue do animal) e a Lampreia à moda do Minho, esta confecionada num bom refogado, ao qual se junta a marinada de vinho tinto e temperos em que os pedaços do animal estiveram a ganhar sabor por algumas horas, servindo-se com fatias de pão torrado.
LAMPREIA
De fevereiro a abril, os rios da região, como o Cávado e o Minho, fornecem um peixe amado por muitos e rejeitado por tantos outros, devido ao seu aspeto pouco amigável: a lampreia, com que se preparam pratos singulares como o Arroz de Lampreia (que à semelhança do arroz de cabidela é feito com o sangue do animal) e a Lampreia à moda do Minho, esta confecionada num bom refogado, ao qual se junta a marinada de vinho tinto e temperos em que os pedaços do animal estiveram a ganhar sabor por algumas horas, servindo-se com fatias de pão torrado.
SARDINHAS ASSADAS NA BRASA
Comidas ao longo dos meses quentes, as sardinhas são especialmente procuradas por altura do S. João. O feriado municipal de Braga, em honra deste santo, acontece a 24 de junho e é na sua véspera que os assadores da cidade mais trabalham. Para acompanhar, tem de haver Broa, Caldo Verde e Vinho Verde tinto!
A lampreia seca é outra forma de preparar este ciclóstomo, ou peixe de boca circular, que ainda se encontra em alguns locais do Minho, sendo uma prática conhecida desde tempos pré-romanos, como forma de conservar este alimento em época de abundância
Sável
Outro peixe de rio muito popular, costuma preparar-se às postas, que são fritas, ou “de escabeche à moda de Braga”. A sua época é entre janeiro e abril, mas já não são muitos os restaurantes de Braga que o preparam.
ARROZ DE CABIDELA
Um arroz caldoso de frango, feito com o sangue da ave e em que não pode faltar o toque avinagrado. Também é conhecido por Arroz de Pica no Chão, por alusão à forma como as galinhas são criadas nos quintais das casas do Minho: livremente e alimentadas à base de couve e de milho.
ARROZ DE SARRABULHO
Esta receita não difere muito das Papas de Sarrabulho descritas mais acima, no entanto, é feita com arroz, em vez do pão ou farinha de milho, e pede menos ‘miúdos’. Leva igualmente sangue de porco e cominhos
CABRITO ASSADO
Há diversas receitas minhotas cuja estrela é o cabrito, sendo o ‘assado’ a forma mais habitual de confecioná-lo. A mais comum pede que, após o animal ter sido bem amanhado e mantido em água com limão umas doze horas, seja colocado em vinha de alhos durante mais meio-dia. Depois, coloca-se o animal numa assadeira sobre cebolas às rodelas, barrado com azeite, margarina e colorau. Rega-se com metade da marinada e leva-se ao forno bem quente, idealmente a lenha. A meio da cozedura, vira-se o cabrito, acrescenta-se a restante marinada e volta ao forno até estar bem dourado e cozinhado. Normalmente, assam-se batatas aos cubos na mesma assadeira e em simultâneo, e acompanha com grelos salteados.
VITELA ASSADA
Em termos de temperos e acompanhamentos, a receita mais usual é semelhante à receita de cabrito assado. A qualidade da carne é fundamental para obter um assado tenro e saboroso, mas as peças do animal que se utilizam podem variar: lombo, pá, picadouro, costela mendinha, nispo, rabada… escusado será dizer que, se te quiseres aventurar a preparar este prato, deves ajustar o tempo de cozedura ao tipo de peça. Aqui, as batatinhas assadas com os sucos da carne também não podem faltar!
A configuração geográfica da região do Minho, com o seu recortado de serras e vales férteis, fez desenvolver e fixar nas suas terras animais para consumo humano de elevada qualidade. Falamos dos bovinos de raça Minhota, os únicos em Portugal com tripla aptidão — carne, leite e trabalho; da raça Cachena, com Denominação de Origem Protegida (DOP), criados sobretudo na Serra da Peneda, e do Cabrito das Terras Altas do Minho, com Indicação Geográfica Protegida (IGP). De destacar ainda o porco Bísaro, a ovelha Bordaleira e a ovelha Churra do Minho, cujo borrego de leite é largamente apreciado.
‘Sarrabulho’ é o nome que se dá ao sangue coagulado de porco, daí o nome das receitas. É também a palavra usada para designar a refeição em que estes pratos eram tradicionalmente consumidos — um momento muito especial da vida comunitária das aldeias minhotas, ligado ao ritual da Matança do Porco. No dia da matança, algures em janeiro, era preciso aproveitar todas as partes do animal, mas nem todas podiam seguir para a salga ou para o fumo, de forma a ser conservadas para alimentar a família ao longo do ano. Assim, antigamente, à falta de frigorífico, algumas dessas partes eram cozinhadas no próprio dia, o que deu origem ao ‘sarrabulho’: uma grande refeição que junta a família e os vizinhos e serve não só para agradecer o contributo de todos na matança, como celebrar mais um ano de trabalho. Nas últimas décadas, as preocupações sanitárias e a crescente sensibilização para a causa animal, fez quase desparecer o ritual da Matança do Porco.
ARROZ DE PATO À MODA DE BRAGA
Há registos de que em 1812, em Braga, o arroz de pato era já um prato muito apreciado, sendo confecionado, frequentemente, nos seminários. A receita tradicional manda que, primeiro, se coza o pato em água abundante, com presunto, orelha de porco, chouriço, sal, cravinho, salsa e pimenta. Depois, faz-se um arroz com esta água, descartando a espuma de gordura que se formou e adicionando um pouco de sumo de limão — quando o arroz começar a abrir, passa-se este para um grande alguidar de barro e enterra-se aí o pato, barrado com manteiga, indo ao forno para o arroz acabar de cozer. Antes de ir para a mesa, desossa-se e parte-se o pato em pedaços, assim como as outras carnes, que se dispõem por cima do arroz.
COZIDO MINHOTO
O Cozido à Portuguesa é o prato maior da gastronomia nacional, mas sabias que há um Cozido Minhoto? Trata-se de um cozido mais modesto, mas não menos nutritivo, que inclui diferentes carnes frescas e fumadas, batata, cenoura e couve penca.
ROJÕES À MODA DO MINHO
São mais substanciais do que as receitas de rojões seguidas no resto do país: para além dos cubos de carne de porco, levam fígado, sangue e tripas (devidamente limpos e tratados), castanhas e ainda ‘belouras’ — uma espécie de enchido, que é feito amassando farinhas e sangue de porco, depois cozido, partido às rodelas, e frito.
PUDIM ABADE DE PRISCOS
A sobremesa mais emblemática do Minho nasceu em Braga, na freguesia de Priscos, algures nos meados do século XIX, pela mão de um padre com talento para a cozinha, o Pe. Manuel Joaquim Machado
Rebelo. É um pudim de ovos primoroso, que ao levar vinho do Porto e toucinho — calma: o pedaço de barriga fumada entra apenas na confeção da calda de açúcar e depois é descartado! —, oferece um sabor requintado e uma textura sedosa única. Verifica a receita de Pudim Abade de Priscos que te deixamos no final deste guia!
TÍBIAS
Receita do antigo Convento de Nossa Senhora dos Remédios, que existiu no centro de Braga entre o século XVI e finais do século XIX, no quarteirão onde hoje se ergue o Theatro Circo. São bolos em massa choux, recheados com creme pasteleiro, natas ou doce de ovos e normalmente polvilhados de açúcar em pó. Parecidas com o éclair, mas com o formato a lembrar o osso da perna, daí o nome!
FATIAS DE BRAGA
Este doce vem referido em vários livros sobre a culinária minhota e terá origem conventual, no entanto, hoje quase desapareceu das pastelarias e das casas de Braga, sendo, curiosamente, bastante popular no Brasil. É um bolo de tabuleiro, que depois se corta em quadrados e polvilham-se com açúcar em pó. Tradicionalmente, era feito com cidrão ralado (fruta cristalizada da família dos citrinos), muitas gemas, açúcar, amêndoa ralada e manteiga
FIDALGUINHOS
Sãos os biscoitos estaladiços que inspiraram a criação do Fidalguinho, o guia turístico mais famoso da cidade! Também nasceram no Convento de Nossa Senhora dos Remédios e são feitos com farinha, manteiga, açúcar e ovos. O seu formato faz lembrar umas ‘pernas cruzadas’, em alusão aos fidalgos, que não precisavam de trabalhar.
COZIDO MINHOTO
O Cozido à Portuguesa é o prato maior da gastronomia nacional, mas sabias que há um Cozido Minhoto? Trata-se de um cozido mais modesto, mas não menos nutritivo, que inclui diferentes carnes frescas e fumadas, batata, cenoura e couve penca.
BOLO ROMANO
Todos os costumes tiveram um começo e está-se sempre a tempo de iniciar uma nova tradição: foi o que pensaram os responsáveis do espaço Frigideiras do Cantinho, bem no centro da cidade. Na celebração dos dois mil anos da fundação de Braga pelos romanos e coincidindo esta altura com a descoberta de vestígios arqueológicos romanos sob o chão desta loja histórica, desenvolveram o ‘Bolo Romano’. É um doce rico, inspirado na cozinha de Marcus Gavius Apicius, célebre gastrónomo romano, e leva, entre outros ingredientes, frutos secos, mel, e vinho do Porto. Desde então tem tido bastante saída, nomeadamente durante o evento de recriação histórica Braga Romana.
VIÚVAS DE BRAGA
Mais um doce criado pelas religiosas do antigo Convento de Nossa Senhora dos Remédios. Estudos dizem que começaram por se chamar ‘Pastéis dos Remédios’ e que foram rebatizados como Viúvas por serem vendidos por mulheres viúvas nas ruas da cidade — talvez uma forma das freiras ajudarem essas pessoas a terem uma fonte de rendimento. A massa destes pequenos bolinhos é recheada com doce de ovos e amêndoa e dobrada em formato de trouxa. O que te contamos agora parece anedota, mas aconteceu: durante o Estado Novo, este doce sofreu um declínio, pois a polícia moral da altura, incomodada com a ideia de homens, nomeadamente os padres da religiosa cidade de Braga, ‘comerem uma viúva’, mandou proibir a sua confeção nas pastelarias. Felizmente, a tradição foi recuperada e há locais — como a Doçaria São Vicente — onde podes encontrá-las.
A frase “comer que nem um abade” bem que podia ter surgido em honra de Manuel Joaquim Machado Rebelo, dada a sua inclinação para a boa mesa. Mas aquele que foi o pároco mais célebre da paróquia de Priscos, freguesia de Braga, para além de gostar de comer, também gostava de cozinhar. E demonstrava tal vocação para o ofício, que era solicitado pelas mais altas individualidades da região para tratar dos seus banquetes. Uma das estórias mais curiosas sobre o Abade, relata que este preparou uma sumptuosa refeição para o rei D. Luís I e que este, no fim, deliciado, lhe perguntou o que tinha comido. O Abade de Priscos terá dito, de forma bem-humorada, que era… palha! O monarca reagiu de forma surpreendida e indignada e o Abade de Priscos resolveu a situação afirmando, de forma astuciosa: “Real Senhor! Todos comem palha, a questão é saber servi-la.” Consta também que se fazia acompanhar de uma mala repleta de temperos misteriosos e que não revelava as suas receitas, pois mesmo que as revelasse, não podia “dar os dedos das suas mãos nem o seu paladar”. Apenas uma receita foi encontrada: a do sublime Pudim Abade de Priscos, que iria perpetuar a figura do Abade para sempre.
SAMEIRINHOS
O nome anuncia a sua origem — foram as freiras instaladas no Santuário do Sameiro que criaram este pequeno pastel retangular, de massa estaladiça e recheio de doce de ovos e amêndoa. Se ainda não os conheces, procura-os na pastelaria Ferreira Capa, na rua dos Capelistas.
Com vinte e muitos anos, nascido e criado em Braga, o Fidalguinho é o guia turístico mais acarinhado da cidade. Otimista, descontraído e muito falador, conhece histórias e piadas capazes de alegrar o espírito da pessoa mais empedernida. Em pequeno, já se destacava na rua do Souto, onde cresceu na mercearia da sua avó Maria. Aliás, é comum ouvi-lo a afirmar, orgulhosamente, ser a pessoa que mais subiu e desceu aquela mítica rua. Sempre de sorriso posto, não perde uma oportunidade de conhecer pessoas e de lhes mostrar o burgo pelo qual é apaixonado. Com uma energia contagiante, fala tão rápido que parece que as suas palavras estão a correr uma maratona! Encontra beleza em qualquer cantinho da cidade e basta que ouça a palavra ‘Braga’ para ficar todo arrepiado. Apesar de não ser fluente em inglês — nem em qualquer outra língua estrangeira, sejamos sinceros —, o Fidalguinho tem o dom de se fazer entender através de gestos cómicos e expressões faciais hilariantes. Consegue assim comunicar com toda a gente, venham da vizinha Espanha ou da lonqínqua Mongólia: um verdadeiro mestre na arte da mímica turística. Só há uma coisa que nunca entendeu: por que raio se chama Fidalguinho?